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NÃO ERA ESQUISITICE, ERA AUTISMO!

O cérebro de uma pessoa no espectro autista também mantém rigidez naquilo que considera certo ou errado.

Admin Portal Floriano Lins
Por: Admin Portal Floriano Lins Fonte: Redação
25/12/2024 às 11h48
NÃO ERA ESQUISITICE, ERA AUTISMO!
É preciso ‘Mais informação, menos preconceito’. Imagem: Estado de Minas

Maria Cema Teixeira*

 

Atualmente, o diagnóstico tardio de Autismo está sendo uma questão muito debatida no âmbito profissional, educacional e familiar.

Há quem afirme que os casos aumentaram. Mas também podemos considerar que na atualidade há mais profissionais habilitados para diagnosticar o Autismo de forma precoce e tardia.

O reconhecimento do Autismo em adultos não é tarefa fácil. É preciso uma minuciosa investigação e, já sendo familiar de uma pessoa com o espectro, se acende um alerta.

Minha filha mais velha, que sempre se destacou pela esperteza e altas habilidades, com desempenho brilhante, principalmente na área de exatas, foi recentemente diagnosticada com TEA nível 1.

Até o 8° ano, estudou num dos melhores colégios de Manaus. Onde hoje relata que sofreu "bullying" por parte de professores e colegas que não aceitavam a sua "falta" de jeito nas questões sociais, rigidez de pensamento, dificuldade de mudança de planos, improviso etc.

Lembro que, certa vez, por ocasião de um projeto chamado "Semana da Cidadania", a escola realizou uma excursão para visitar um orfanato e lá o grupo da minha filha estava responsável em realizar brincadeiras com as crianças do local, brincadeiras previamente planejadas.

Ao chegar lá, as brincadeiras não poderiam ser realizadas por causa da falta de espaço. Então, a professora coordenadora pediu para as alunas improvisarem outras brincadeiras. Para a minha filha isso foi um sofrimento, pois o cérebro de uma pessoa que está no espectro autista não funciona assim.

E a Alice, com oito anos de idade, chorou a tarde toda e tive que ouvir a tal coordenadora chamar minha filha de tola e mimada.

Ela só não sofreu mais porque seu aproveitamento superava o da maioria da sala e, de certa forma, lhe deviam respeito.

O cérebro de uma pessoa no espectro autista também mantém rigidez naquilo que considera certo ou errado.

Certa vez, quando Ela ainda tinha 4 anos, por ocasião de precisar fazer um Raio-X da face, o Técnico em Radiografia falou que ela não poderia usar brincos e os retirou. E essa foi a última vez que ela usou brincos. Hoje Ela me diz que o que ficou gravado foi: Brinco não pode!

Nas séries iniciais dos estudos, era comum as colegas meninas fazerem penteados umas nas outras, mas a Alice também tinha dificuldade com toques e não permitia penteados Nela, por isso também sofreu rejeição.

Também a sua rigidez a fazia dedurar colegas quando os via "colando" em testes e provas e isso para Ela era o certo a ser feito e seu apelido era X9.

Certa vez, questionei as suas atitudes em relação a isso. Retrucou: -  Mas você me disse que "colar" é errado!

Naquela ocasião, ninguém sabia o que ocorria, ninguém era capaz de entender. Até eu como mãe "passei batida". Na verdade, pedi para a neurologista que acompanhava meu filho Vinícius que A avaliasse. A profissional considerou minha preocupação como Paranoia. O parâmetro de Autismo na época era o de condição severa.

O tempo passou e, como de esperado, pessoas com Autismo de nível 1 com inteligência preservada conseguem aprender comportamento sociais, observando padrões e nisso ficam um pouco mais próximos da "normalidade".

Porém, aquilo que é próprio da sua natureza, é impossível mudar.

Até hoje, Alice não usa maquiagem, não se importa com que os outros vão dizer. Não liga para convenções sociais. Tá tudo bem, se para Ela está confortável.

Um dia uma colega de trabalho me fez uma observação colocando a sexualidade da Alice em dúvida por causa do seu jeito simples, prático de se vestir, não tão feminino. Hoje, eu respondo: Não era jeito de menino. Era Autismo! E se fosse! Qual o problema?

Morando em Parintins/AM, estudante do Colégio Nossa Senhora do Carmo, Alice pareceu mais feliz, aceita, respeitada, bem no início elevou o nome do colégio consagrando ouro nas olimpíadas de Matemática.

Logo depois foi cursar, com apenas 13 anos incompletos, o Ensino Médio no Instituto Federal do Amazonas, Campus Parintins. Lá também era questionada por que, ao invés de fazer as avaliações por etapas para fechar o bimestre, preferia fazer uma única avaliação que contemplava todo o assunto do bimestre. Os colegas e até os professores me chamavam pra falar da ausência de notas e Ela me dizia: - Ainda falta a última que vale pelas 4, prefiro fazer essa. Pra mim é mais prático e, claro: Ela se garantia.

Cursou Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Amazonas e concluiu o curso 6 meses antes do prazo final e foi o melhor coeficiente de todas as Engenharias. Sendo logo contemplada com o Mestrado na Universidade Federal de Santa Catarina.

Enfim, o tal Autismo parecia não fazer muita diferença na vida da minha filha. Mas, infelizmente, isso não é verdade. O Autismo leve, só é leve para quem não tem que carregá-lo. Se tivéssemos tido o diagnóstico precoce, poderíamos ter evitado sofrimento e acompanhado a Alice com mais especificidade.

Uma Pandemia surge neste cenário. A Alice foi muito afetada e os "sintomas" do Autismo "deram o ar da sua graça": Ansiedade, Déficit de Atenção, Depressão...

Hoje, sob controle, a Alice encara o desafio de cursar na Universidade Federal deste Estado a sua segunda e mais cobiçada graduação: Matemática Científica e Computação Científica. A Matemática sempre foi seu hiperfoco.

Gerencia sua vida pessoal. Trabalha com processamento de dados. O seu trabalho, além de fazer enormes e complexos cálculos, é também criar fórmulas.

Quando ainda tinha sete anos de idade, me perguntou quando estudaria somente matemática?... E, agora, finalmente, realiza o sonho.

Se perguntarem qual a diferença entre a Alice e alguém sem o Transtorno do Espectro Autista, Ela responde: “É uma pequena pedrinha, mas essa pedrinha está no meu sapato”.

Com a permissão da Alice decidi contar essa história para que profissionais e familiares fiquem cada vez mais atentos e habilitados para identificar em seus filhos e/ou alunos os sinais do Autismo.

E aí eu digo: Não era tolice, era Autismo!

Não era esquisitice, era Autismo!

Não era desleixo, era Autismo!

Não era jeito de menino, era Autismo!

Não era seletividade alimentar, era Autismo!

Não era só altas habilidades, era também Autismo!

E não é só Autismo, é minha filha que amo e me orgulho de todas as suas peculiaridades.

 

* Maria Cema Teixeira é Ativista da Causa Autista.

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