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Zé, e agora?!

Quem já não lê na prática a história de sua gente está envelhecendo por desnutrição política, psicológica e intelectual. (Cecília Meireles)

Redação
Por: Redação Fonte: Redação
25/10/2024 às 09h17
Zé, e agora?!
Arte de João Evangelista nas Ruínas da Casa da Cultura de Parintins. Foto: Floriano Lins

Fátima Guedes*

 

Ainda meio tonto e ressaqueado com o resultado das últimas eleições, Zé cruza meu caminho em busca de colo, escuta e desabafa:

- Já não consigo fazer ligações telefônicas para os meus candidatos. Só dá caixa postal!...

Palavra, Zé! Mais uma vez a politicagem obscurece nossa visão. Prenúncios de que só vai dar pro nosso!

Há tempos, sonhamos com votos livres, transparentes, autônomos; votos por transformações estruturais... só ilusões! 

Não são recentes os ensaios em defesa de uma Oposição Popular com sabor de povo. No entanto, enquanto a massa for maioria, segue o rebanho sob comando de caciques e feitores.

A companheirada da base, originalmente esquerda, analisa a conjuntura e até pensa em desistir dos sonhos... Ao mesmo tempo reflete: no pesadelo é possível que a massa analfabetizada acorde. Quem sabe, agora, com mais esse retrocesso, dissolvem-se arestas: companheiros e camaradas passam a refletir criticamente o caos político administrativo instalado e levam a sério projetos democráticos fundamentados na Justiça Popular.

Alfredo Burgos - Equipo de Educación Maiz – San Salvador 1992

Até parece que a manazada* esqueceu a velha lição: enquanto os comuns se dividirem por interesses individualistas, mandantes se fortalecem, levam vantagens e a comunidade se sujeita em tocar tambor pra malandros gozarem no poder.

Zé, estamos deveras preocupados... Estaríamos embarcando na tese do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (1920)?... Estaríamos bloqueando processos de libertação, defendidos por Marx, Stalin, Lênin, Rosa Luxemburgo; por Olga Benário, Paulo Freire, Margarida Alves, Dorothy Stang e por tantas outras Resistências?...

Ou prevalece a ilusão de que, nos próximos quatro anos, lobos e cordeiros pastarão juntos e os cordeiros iludidos de que a comida de ambos tenha o mesmo sabor?! Lembrei agora, Zé, do recado atribuído ao ex-presidente dos Estados Unidos, Benjamim Franklin, sobre a tal Social Democracia: “[...] são dois lobos e uma ovelha votando sobre o que comer no almoço. A liberdade é uma ovelha bem armada contestando o voto”.

Sabe, Zé, aquele grupo que defendia questões relativas à Justiça Popular, à transformação da massa em povo, sentira dificuldades em votar nas últimas eleições... Na caldeirada, alhos e bugalhos misturaram-se tendenciosamente. Complicado!

Mais uma memória: no combate à dominação sobre as massas usava-se uma musiquinha muito cantada nas reuniões de base como instrumento de Educação Popular e conscientização política: “Pois é, pois é, acredite, irmão / ainda tem gente inconsciente que ainda vota em patrão”.

Há saídas, Zé?!...

Fazem falta metodologias autênticas e eticamente cristãs!... Saudades do Curso de Ideologia Política - “Classe x Classe” - conduzido pelo Grupo “13 de Maio”, anos 80, no apogeu da Teologia da Libertação.

Zé, não é fácil despertar consciências desnutridas, entorpecidas, viciadas em subserviências...  A história, porém, é tempo de possibilidades!

Como tantas vezes dialogamos, fazer militância em defesa de direitos universais e igualitários é dizer não a estruturas dominantes; a sistemas, a federações impositivas que bloqueiam o poder de decisão, intervenção e participação popular. Uma saída é a radicalização da democracia instalada.

Se estiver errada, Mano, corrija-me! Porém, insisto: sem radicalização não há libertação. Já dizia Jesus de Nazaré: é perda de tempo colocar remendo novo em pano velho, ou vinho novo em barril velho...

Estamos entre cruzes, espadas e fuzis; num mato sem cachorros confiáveis... Nossa esperança vai pro ralo quando vemos representatividades sem autonomia; que abram espaços à participação popular. A conjuntura clama por atletas autênticos aos contra-ataque. De batelão e pernas-de-pau estamos fartos!

Ficamos assim, Zé!... Se algo mudar nesses quatro anos e desmentir esta opinião, dou a mão à palmatória!

Estou aberta ao diálogo, desde que a tese contrária prove e comprove com autenticidade meus possíveis equívocos. 

 

Falares de Casa

 

ManazadaColetivo de manas e manos.

 

  * Maria de Fátima Guedes Araújo. Caboca das terras baixas da Amazônia. Educadora popular, pesquisadora de saberes popular/tradicionais da Amazônia. Licenciada em Letras pela UERJ (Projeto Rondon/1998). Com Especialização em Estudos Latino-americanos pela Escola Nacional Florestan Fernandes/UFJF. Fundadora da Associação de Mulheres de Parintins, da Articulação Parintins Cidadã, da TEIA de Educação Ambiental e Interação em Agrofloresta. Militante da Marcha Mundial das Mulheres (MMM) e Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular em Saúde (ANEPS). Autora das obras Ensaios de Rebeldia, Algemas Silenciadas, Vestígios de Curandage e Organizadora do Dicionário - Falares Cabocos.

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Ana Cláudia Há 4 meses Parintins Amazonas Eu, do lado de cá. Gostaria tanto ver "a mão à palmatória". Tenho total convicção que, a caboca, está corretíssima.
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