Por Floriano Lins
Da redação
O debate sobre Autonomia, proposto pelo coletivo formado por movimentos populares feministas, no dia 8 de março, Dia Internacional de Luta das Mulheres, repercute a luta feminista por reconhecimento social. Na prática, os movimentos feministas buscam, principalmente, a igualdade de direitos, de oportunidades e tratamento entre homens e mulheres, além das lutas contra a inferioridade e opressão a que as mulheres são submetidas na sociedade até os dias de hoje.
Mesmo reconhecendo importantes avanços, verifica-se a permanência das violências sofridas no cotidiano e dentro de quatro paredes. As mulheres ainda vivem marcadas por desigualdades, sujeitas a sofrer, desde a infância, violências cotidianas que seguem por toda vida.
Pesquisadoras das lutas feministas não escondem a realidade de que a mulher ainda ocupa, na sociedade, um papel submisso. São vistas como inferiores e como propriedade, objetos de uso ou mercadoria, próprias das estruturas do patriarcado, do racismo e do capitalismo que impõem uma realidade de dominação e exploração das mulheres.
Teimosia
Ativistas feministas ligadas à Teia de Educação Ambiental e Interação em Agrofloresta, movimento que liderou a realização do Círculo Sagrado de Mulheres - ato simbólico do 8 de março deste ano, lembram que, naquela quarta-feira, dedicada às Mulheres, a chuva, Fêmea Universal, usando de sua natural Autonomia, comandou o tempo em toda a região, instigando a teimosia das Mulheres à realização do ato com o tema: “Lua Cheia Chama Mulheres à Construção da Autonomia”, com o objetivo de “despertar as mulheres ao chamado à Autonomia a partir da cura interior”.
Para o coletivo feminista, é importante o despertar da realidade de que ainda estamos distantes de sermos tratadas de maneira igualitária e respeitosa na sociedade atual. Precisamos lutar pela construção da autonomia das mulheres, seja ela financeira, profissional ou doméstica.
Em Parintins, as mulheres dos movimentos populares lutam, desde 2019, pela consolidação do feriado municipal - 08 de março - dia em que o mundo reverencia a vida feminina. O projeto de iniciativa popular foi levado ao plenário da Câmara Municipal através do vereador Mateus Assayag, aprovado por unanimidade em março de 2022, “mas ficou apenas na votação”, segundo as lideranças que colheram mais de três mil assinaturas em favor do Feriado.
Autonomia
Segundo a escritora e educadora popular Fátima Guedes, “Autonomia nasce em nosso Eu Superior. Trata-se da capacidade pessoal de tomada de decisões conscientes, responsáveis e comprometidas frente aos desafios da vida. Em termos práticos, Autonomia é isso: Eu Quero! Eu Posso! Eu Faço! Para alcançar tal propósito, é fundamental liberta-se de instintos farejadores de ossadas e carniças que calam consciências e escravizam a dependências, a padrões nocivos e limitantes”.
Para ela, “o mês de março, reconhecido como o Mês das Mulheres, é um tempo propício para que Estas dialoguem com Elas mesmas e desvendem seus medos, culpas, inseguranças; é tempo para resgatar suas ossadas perdidas nos desertos da vida... É o Mês que se oferece para o Renascer e o Reflorescer da Fêmea Selvagem, Sagrada que habita em nós. O maior exemplo, não apenas para as mulheres, mas para homens escravos do machismo patriarcal, encontra-se nas lições que nos são repassadas diariamente pela Fêmea Universal, a Mãe Terra – A Grande Mãe-, Geradora da Vida de Todos os Seres - INDISTINTAMENTE. Quando a Mãe Terra QUER, usa de sua autonomia Natural. Usa de seu Poder e Faz!”
Comando
Na visão da presidente do Conselho Municipal de Defesa dos Direitos das Mulheres, Cleumara Monteverde, “hoje conseguimos ver mais mulheres buscando autonomia, sim. Claro que a luta pela igualdade nos lugares de poder ainda é bem distante, visto que o mundo ainda prioriza os homens e isso acaba fazendo com que eles pensem que o mundo foi feito para eles comandarem”.
Monteverde cita que “enquanto mulher de movimento colocamos a busca pela autonomia como prioridade assim como a luta pelo fim das violências contra nós”.
“Quando ele (o Conselho) abre roda de conversas em redes de comunicação, também está oportunizando às mulheres conhecimentos sobre seus direitos que, muitas das vezes, a maioria desconhece. É notório que há um desdobramento em cada informação que elas alcançam”, destaca.
Para a coordenadora do movimento Mulheres de Fibra da Amazônia – COLIMA -, pedagoga Marinalva Brito, a luta das mulheres exige decisão e ousadia na busca por igualdade. “Sem o conhecimento e sem autonomia, estaremos sempre presas ao sistema que nos oprime, submissas ao machismo. Quando as mulheres buscam o conhecimento, a autonomia, libertam-se: voam e ninguém mais as algema; determinam-se!”.
Opressão e Morte
A professora doutora, Eliane Vasconcelos, docente da Ufam e ativista feminista, reflete que “a discussão sobre a autonomia das mulheres é complexa, porque ao mesmo tempo que há lutas e conquistas que revelam processos de autonomia das mulheres nos diferentes setores da sociedade, também nos deparamos com violentos processos de opressão que geram morte”.
Em seu entendimento, “a sociedade precisa se indignar e lutar contra essas vivências que estão nas relações familiares, nas relações de trabalho e em outros espaços. Março é mês de luta por direitos, por justiça e por Autonomia das mulheres. Toda mulher precisa acreditar em si, nas suas capacidades e ancestralidades”.
Parafraseando o artista Almir Sater, Vasconcelos lembra que "toda mulher carrega em si o dom de ser capaz, de ser feliz. Vejo e sinto caminho promissores de construção da Autonomia a exemplo da TEIA e dos Círculos Sagrados de Saúde”.
Projeto Coletivo
A autonomia como projeto coletivo do movimento de mulheres é defendida pela professora doutora Sandra Damasceno, também docente da Ufam e ativista feminista com atuação nos meios acadêmicos e nos movimentos populares. “Eu acredito muito que a autonomia feminina é um horizonte. Etimologicamente, autonomia significa o poder de dar a si a própria lei. É relacionado à ideia de liberdade, de oportunidade e da capacidade de poder escolher as leis que regem sua vida”.
“A autonomia das mulheres como projeto precisa ser pensada em um conjunto amplo não só de capacidades individuais, mas principalmente de condições concretas que permitem às mulheres tomar livremente as decisões que as afetam. Por isso ela envolve: condições e relações sociais, políticas e econômicas”, argumenta.
Para Damasceno, “temos que deixar de pensar a autonomia de forma individual, que cada mulher tem que buscar isoladamente, mas como o resultado da mudança estrutural da sociedade capitalista/patriarcal que estrutura o machismo, a misoginia, a violência e as expressões da desigualdade de gênero. Precisamos persegui-la coletivamente”.